Mesmo que o auditor tenha tomado todo o cuidado durante a fase de preparação para a auditoria, mesmo que se apresente de forma amistosa na reunião de abertura e adote uma postura colaborativa, por vezes torna-se inevitável a situação de conflito durante uma auditoria.

E o conflito pode ocorrer por diferentes motivos. Desde questões de divergências simplesmente técnicas até mesmo por questões do que chamamos de contra auditoria, que é quando o auditado, por algum motivo, adota ações para atrasar, atrapalhar ou impedir o bom andamento da auditoria.

 

Não reagir. Manter a postura profissional e o controle emocional

A regra geral que você deve ter em mente é que você nunca deve reagir a uma provocação, ironia, contestação ou ataque de qualquer natureza. Mesmo que declaradamente o auditado esteja praticando uma contra auditoria, você deve manter a postura profissional e o controle emocional e não reagir. Você é um profissional desempenhando o seu trabalho. E a outra pessoa também. Portanto, não é pessoal, não encare desta forma. E não se permita dominar pelas emoções.

Situações onde a entrevista ou busca de evidência se torna insustentável.

Outra regra geral é que, em situações onde a entrevista ou busca de evidência se tornar insustentável com uma pessoa, você deve parar a entrevista e buscar o representante da empresa e o auditor líder (se você não for o líder) e comunicar sem emoção e de forma técnica o ocorrido. Caso haja uma outra pessoa que possa responder pelo mesmo processo, há a possibilidade de trocar o entrevistado.

O representante da empresa pode atuar junto ao entrevistado para que ele colabore. Em casos extremos, pode-se acionar o cliente da auditoria para que ele contate a alta direção do auditado visando decidir se a auditoria tem condições de continuar. E, claro, sempre, em qualquer momento, o auditor líder tem autoridade para, mediante a falta de cooperação e inviabilidade de acesso a informações, abortar a auditoria.

Vejamos a partir de agora algumas situações possíveis e algumas atitudes a serem tomadas:

Contra auditoria:

Por algum motivo, o auditado não quer receber a auditoria (pode ser porque o sistema de gestão ainda não está pronto, pode ser por ansiedade ou nervosismo, pode ser por disputas internas, enfim, são vários os motivos). Ele então decide adotar técnicas de contra auditoria (acredite, existem várias, como, por exemplo, demorar muito para trazer um procedimento, apresentar pessoas erradas para responder por um processo, os famosos almoços intermináveis em churrascarias, provocações, etc.).

Veja, tudo o que ele quer é que você reaja, pois assim o conflito está armado, e você gastará tempo (o que ele deseja) e energia para restabelecer a ordem e continuar a auditoria. Então o correto é manter a calma, não reagir e explicar claramente o que espera e a evidência que está buscando. Deixe claro também que percebeu a contra auditoria, mas de forma elegante, não buscando o conflito, mas para que o auditado saiba que você está ciente do que está acontecendo e tem o controle da situação, buscando negociar uma solução diplomática.

Mas atenção, muito cuidado com a forma como você vai fazer estas colocações, você deve ter extrema cautela e bom senso. Informe que você espera que ele colabore para que possam desenvolver um bom trabalho cooperativo, pois a auditoria depende desta parceria para a busca de evidências. Em último caso, acione o representante da empresa.

Entrevistado muito nervoso:

Pode ocorrer, por diversos motivos, de o seu entrevistado estar realmente muito nervoso. Pode ser a primeira auditoria dele, pode ser que a alta direção não tenha entendido o real significado de um sistema de gestão e tenha estabelecido uma “meta” (erradíssima) de “não conformidade zero”, enfim, pode haver vários motivos. O fato é que, se o auditado está fora de controle, provavelmente você terá uma entrevista infrutífera.

Então o melhor a fazer é parar a entrevista. Dê um tempo ao entrevistado. Proponha uma pausa para água e café. Mostre empatia. Procure entender o clima organizacional, o momento da empresa e a situação da pessoa com quem está falando. Converse um pouco sobre amenidades. Tente acalmá-lo.

Caso ainda assim o nervosismo persista, contate o representante da empresa e veja se há outra pessoa que pode responder pelo processo e que possa ser entrevistada em seu lugar. Caso positivo, troque o entrevistado. Caso negativo, avalie a possibilidade de reagendar a entrevista para outro horário ou até mesmo outro dia.

Discordância de não conformidade:

Faz parte da auditoria, é natural que, em algum momento, o auditor constate uma não conformidade e o auditado não a entenda ou não concorde por algum motivo, que pode ser uma interpretação diferente do requisito normativo ou o entendimento diferente sobre a consistência de uma evidência. Antes de tudo, lembre-se de que não é pessoal. O debate é profissional e técnico.

A melhor forma de lidar com esta situação é dar espaço e ouvidos ao auditado e deixar que ele exponha todos os seus argumentos. Ouça atentamente e anote cuidadosamente. Avalie de mente aberta, afinal, ninguém é dono da verdade e pode ser que ele esteja certo. Se o argumento dele for correto, não é vergonha alguma voltar atrás e retirar a não conformidade.

Entretanto, se o argumento não estiver correto tecnicamente, você explicará sem emoção e com embasamento técnico o porquê irá manter a não conformidade. Se ainda assim ele não concordar, você não deve permitir que o debate se prolongue e se transforme em um momento tenso. Tranquilamente ofereça a ele o procedimento de recurso da não conformidade.

Explique que, já que não chegaram a um consenso, e para manter o bom andamento e o bom clima da auditoria, ele pode e deve fazer um recurso por escrito da não conformidade, expondo seu ponto de vista, e que este recurso será julgado por uma instância superior. Deixe claro que em momento algum isto será visto como algo negativo por você ou por qualquer membro da equipe auditora, que é parte natural do processo de auditoria. Que, inclusive, muitas revisões de normas nasceram de recursos de não conformidades em auditorias.

Disputas internas entre auditados:

Este tema talvez os consultores entendam com mais facilidade do que os auditores, por terem um convívio mais intenso e duradouro ao longo do tecido social das organizações. No mundo corporativo, e não digo apenas nas empresas privadas, mas no setor público, acadêmico, militar, enfim, sem distinções, onde há o ser humano, há o fator humano. E é inevitável haver a formação de grupos que se aglutinam por interesses em comum.

O fato é que, com o passar do tempo, pode ocorrer a polarização entre estes grupos. Com interesses divergentes, e o histórico de embates, vitórias e derrotas administrativas e políticas, a busca pelo poder, a vaidade e outras motivações humanas geram um complicado equilíbrio de forças corporativo que é muito frágil e que, a qualquer movimento, pode ser desestabilizado.

Uma auditoria, por exemplo, é um evento que pode desestabilizar este equilíbrio de forças. A questão é que, muitas vezes, o auditor se vê no meio destas disputas de grupos. E é involuntariamente envolvido nestas disputas. E a postura correta é: nunca tome partido de nenhum grupo, de nenhuma posição. Jamais. Não é o seu papel. Você não está lá para resolver estes conflitos.

Você está lá para atestar conformidade com os requisitos de uma norma. E só. E pior: se você tomar partido de um grupo, automaticamente ficará inviável auditar os outros grupos, ou o seu parecer técnico perderá a credibilidade com os outros grupos. Então, para manter a sua isenção de conflitos de interesses (um dos princípios de auditoria), não se envolva com disputas e não tome partido de nenhum grupo.

Por fim, cabe sempre uma linha de raciocínio para evitar que uma conversa (ou negociação) evolua para um conflito: se você expôs seu ponto de vista, a outra parte expôs o ponto de vista dela, e você perceber que a partir de um certo momento os argumentos começaram a se repetir, é a hora de parar. Não há mais fatos novos, e provavelmente daí em diante vocês só conseguirão criar tensão e irritação.

Então de maneira racional e sem emoção explique claramente isto: que não há mais fatos novos sendo apresentados de ambos os lados, que nenhum conseguiu convencer o outro e que é a hora de parar, para evitar tensão desnecessária. Busque então uma terceira parte, um superior, um agente independente para emitir um parecer sobre o assunto. E evite o conflito.

Lembre-se de Dale Carnegie: “A única forma de vencer uma discussão é evitá-la”.

Artigo originalmente publicado no Linkedin por Marcello Couto: “Gerenciamento de Conflitos Durante a Auditoria